Enzimas digestivas – qual é o seu papel?
O conceito “nós somos o que comemos” vai mais além, “nós somos o que digerimos e absorvemos”. E é aqui que entram as enzimas digestivas, necessárias para degradar o que consumimos em partículas mais pequenas, capazes de nos nutrir! As enzimas digestivas são pequenas proteínas produzidas em grandes quantidades e secretadas ao longo do trato gastrointestinal (desde a boca até ao intestino) que nos ajudam a quebrar e digerir os alimentos.
Por exemplo: a amilase salivar começa a decompor uma pequena quantidade de amido na boca, a tripsina e a quimotripsina são produzidas no pâncreas e atuam no duodeno hidrolisando ligações peptídicas e a lactase, enzima integrada na membrana bordadura em escova no intestino delgado, decompõe a lactose.
As enzimas digestivas são secretadas pelas glândulas salivares, pelas glândulas gástricas da mucosa do estômago e pela membrana do intestino, mas a maior produção de enzimas digestivas acontece no pâncreas. O pâncreas liberta as suas enzimas na primeira porção do intestino delgado, onde a maior parte da digestão acontece.
As lipases degradam lípidos; as proteases e peptidades degradam proteínas e as amilases e enzimas da bordadura em escova (sacarase, isomaltase, maltase e lactase) degradam amidos e açúcares. Apoiar a digestão é fundamental para melhorar a saúde em geral. Para isso temos que garantir que os alimentos são efetivamente decompostos para permitir a absorção adequada de nutrientes e reduzir o risco de reações imunes a alimentos mal digeridos.
As enzimas digestivas são cruciais para a saúde intestinal porque se os alimentos não são bem digeridos podem irritar e causar danos na parede intestinal. Com o passar do tempo esta irritação aumenta a permeabilidade intestinal diminuindo a função enzimática das enzimas que atuam na membrana bordadura em escova. Isto reduz a nossa capacidade digestiva e deixamos de usufruir de todos os benefícios nutricionais dos alimentos.
A presença de bactérias benéficas no nosso intestino tem um impacto significativo na nossa capacidade de digestão, absorção, produção de nutrientes e excreção de produtos. As bactérias intestinais para obterem a sua própria fonte de alimento, secretam enzimas que digerem componentes alimentares, acabando assim, por auxiliar também na digestão. Os Lactobacillussintetizam enzimas peptidades que auxiliam na digestão da caseína e do glúten e outras enzimas com a capacidade de digerir a lactose e outros açúcares. Também conseguem quebrar polifenóis, como a quercetina, em metabolitos menores e mais absorvíveis. A nossa microbiota colónica também fermenta proteínas e hidratos de carbono (formando os ácidos gordos de cadeia curta, como o butirato, o acetato e o propionato) e sintetiza nutrientes como vitaminas do complexo B (biotina, folato, B3, B5, B12) e vitamina K, um exemplo são as Bifidobacterium lactise infantis que sintetizam folato.
Podem surgir problemas digestivos quando há uma disfunção na capacidade do pâncreas ou de outros órgãos em produzir enzimas ou quando a demanda de enzimas é superior ao produzido. A deficiência de enzimas digestivas é muito comum e a longo prazo pode levar a problemas de saúde e insuficiência nutricional. Há indicadores claros de que uma pessoa tem baixos níveis de enzimas digestivas, mas alguns podem ser confundidos com patologias intestinais.
Muitas vezes a diminuição da produção de enzimas está relacionada com a desregulação de insulina no pâncreas, devido à diabetes, e a uma dieta rica em hidratos de carbono refinados. As pedras na vesícula também podem comprometer a digestão porque obstruem o ducto biliar e impedem o fluxo da bílis. Outros fatores do estilo de vida também influenciam, como o stress, o excesso de exercício físico ou o sedentarismo, a ingestão excessiva de álcool, alimentos ou bebidas com efeito inflamatório a nível intestinal e ciclos repetidos de antibióticos, que afetam a microbiota, o fígado e a saúde digestiva. Erros alimentares comuns e um excesso de ingestão alimentar também contribuem para a falta de enzimas digestivas.
Se não produzimos enzimas suficientes para digerir eficazmente os alimentos que ingerimos, a digestão fica comprometida, o que pode resultar em sinais e sintomas desagradáveis, como inchaço e dores abdominais, náuseas, flatulência, obstipação, diarreia e presença de alimentos não digeridos ou gordura nas fezes. Os efeitos a longo prazo de uma má digestão podem levar a um maior risco de doenças como a doença inflamatória intestinal, a síndrome do colon irritável e intolerâncias alimentares, como por exemplo, a intolerância à lactose em que a deficiência da enzima lactase impede o organismo de digerir corretamente a lactose, podendo causar diarreia ou aumento do volume abdominal, flatulência e cólicas, no caso da lactose servir de substrato e ser fermentada por bactérias intestinais.
O que podemos fazer para melhorar a digestão e a secreção enzimática?
Podem ser feitas mudanças na alimentação e na forma como nos alimentamos: A digestão começa com a fase cefálica em que a visão, o olfato, o paladar e até mesmo o pensamento sobre o alimento iniciam as secreções e movimentos no sistema gastrointestinal. Quando optamos por refeições já confecionadas, devido à falta de tempo, ultrapassamos esta fase tão importante, que começa no cérebro enquanto preparamos a refeição. Comer em andamento, em frente à televisão, ao computador e/ou ao telemóvel também reduz as secreções digestivas. A diminuição do stress e o mindful eatingsão estratégias essenciais no apoio à função digestiva. A região gastrointestinal é também sensível às nossas emoções como a raiva, ansiedade e tristeza e uma boa maneira de as contornar é, por exemplo, meditar.
Consuma alimentos que contenham enzimas, se os tolerar. Existem certos alimentos que naturalmente contém enzimas digestivas, como o ananás (bromelaína), a papaia (papaína), as sementes e leguminosas germinadas e os alimentos fermentados. Como vimos anteriormente, os probióticos também auxiliam a digestão produzindo uma série de enzimas digestivas.
Quem beneficia da suplementação em enzimas digestivas?
Algumas pessoas têm de estar atentas para a eventual necessidade da toma de enzimas digestivas, como os idosos (que tem uma redução natural da função digestiva), pacientes com doenças pancreáticas (pancreatites e fibrose cística) e pacientes que tomam bloqueadores da secreção gástrica, uma vez que a sua capacidade para digerir e absorver nutrientes está comprometida porque o meio ácido do estômago é necessário para ativar reações enzimáticas. A suplementação também é recomendada em indivíduos com muitos sintomas e intolerâncias alimentares (p.ex.: intolerância à lactose).
As enzimas digestivas atuam em contacto com os alimentos, logo toma-las no inicio da refeição ou mesmo antes da refeição é o aconselhável. Se optar pela suplementação em cápsula, deve fazê-lo 30 minutos antes da refeição, para que a cápsula tenha tempo de se dissolver. Melhores resultados são obtidos quando um suplemento de enzimas digestivas contém uma mistura de proteases, lípases e amilases, com diferentes valores de ativação de pH, para que as enzimas sejam eficazes em todo o trato gastrointestinal.
Artigo escrito por Madalena Jesus, Nutricionista
Referências:
Mahan, L. K. & Raymond, J. L. (2018), Krause´s: Food & The Nutrition Care Process, 14ª ed., Elsevier, Canada.
2019. Digestive Enzymes. Nutrition I-Mag