A disbiose e a resiliência da flora intestinal
Sabia que os nossos intestinos são compostos por milhões de pequenos organismos vivos?
Ao conjunto desses microrganismos presentes nos intestinos, que são na sua grande maioria bactérias, mas também alguns vírus e fungos, dá-se o nome de microbiota intestinal. (1,2) Em geral, esta é composta maioritariamente por bactérias benéficas e promotoras da saúde, (2)que apresentam diversas funções, como combater microrganismos prejudiciais para o organismo, metabolização de nutrientes, obtenção de energia, e manutenção e regulação da imunidade intestinal. (3)
Uma das formas de avaliar as comunidades que habitam o trato gastrointestinal é pela classificação taxonómica que distribui as bactérias em filos, classes, ordem, família, género e espécie, sendo que, na maioria dos indivíduos cerca de 90% dos filos são Firmicutes e Bacteroidetes. (2)
A microbiota intestinal é adquirida durante e após o nascimento, assim, para além desta ser definida geneticamente, também é influenciada pelo parto, e difere consoante este ocorra normalmente ou por cesariana. Em caso de parto normal, o recém-nascido passa pelo canal vaginal e fica em contacto com os microrganismos que fazem parte da microbiota vaginal da mãe, já se o parto for por cesariana, os microrganismos adquiridos são provenientes da pele, o que resulta em recém-nascidos com uma microbiota intestinal muito mais reduzida, comparativamente aos que nascem de parto normal. Porém, estas diferenças deixam de ser significativas por volta dos 6 meses de idade.(4) A amamentação, é outro fator que influencia o tipo de colonização intestinal. Bebes alimentados com fórmulas infantis para lactantes, demonstram uma população intestinal composta pelos filos Lactobacillus, Streptococcus e Staphylococcus, enquanto que bebes que são alimentados à base de leite materno, têm principalmente a filo Bifidobacterium, que confere proteção contra organismos intestinais prejudiciais. (4)
Assim, nos primeiros dias de vida, a composição da microbiota intestinal é pouco diversificada e muito instável, uma vez que está sempre a sofrer variações. Contudo, com o passar dos dias há um aumento constante na diversidade e na quantidade de microrganismos, que termina entre os dois e os três anos, idade a partir da qual, a microbiota intestinal torna-se mais estável e comparável à de um adulto, com predominância dos filos Bacteroidetes e Firmicutes. A partir deste momento, e até ao final da vida, as quantidades de microrganismos mantêm-se constantes, mas a sua composição sofre alterações continuamente, devido a diversos fatores, como o ambiente, a idade, a utilização de antibióticos, higiene e o tipo de alimentação.(3)
A exposição a estes fatores provoca alterações bruscas no estado de equilíbrio da microbiota intestinal, mas como esta apresenta uma grande capacidade de resistência, consegue tolerar os desequilíbrios provocados, e restaurar a sua população de microrganismos. Devido a esta sua capacidade, diz-se que a microbiota intestinal apresenta resiliência. (5) Isto pode ser comprovado, por exemplo, a partir de um estudo que dividiu os participantes em dois grupos com diferentes dietas, nomeadamente numa dieta pobre em gorduras e noutra pobre em hidratos de carbono, onde se verificou que a microbiota foi afetada devido a alterações na dieta, mas ao longo do tempo conseguiu adaptar-se e voltar ao seu estado de equilíbrio. (6) Contudo, embora as bactérias tenham um poder de resiliência elevado, por vezes não se verifica a restauração da totalidade da microbiota intestinal, (3)havendo assim, um desequilíbrio tanto na composição, como na função da microbiota. Este desequilíbrio designa-se por disbiose. (2)
Quanto mais elevada for a diversidade de microrganismos benéficos que constituem a microbiota intestinal, maior é a sua capacidade de resiliência, e portanto, menor é a probabilidade de ocorrência deste desequilíbrio. Sabe-se que, a obesidade, dietas ricas em gorduras e açúcares, e pobres em fibras, estão associadas a uma diminuição da diversidade de microrganismos intestinais, ao contrário do que acontece com uma dieta pobre em gorduras e rica em alimentos de origem vegetal, que promovem o aumento destes. Assim, a dieta tem um grande impacto na capacidade de resiliência da microbiota, e por isso, seguir uma alimentação saudável torna-se crucial para a saúde dos intestinos,uma vez que é uma forma de evitar uma disbiose. (7) Esta carateriza-se pelo predomínio de bactérias patogénicas (prejudiciais) comparativamente a bactérias benéficas, e manifesta-se sobre a forma de alguns sintomas como obstipação, flatulência, distensão abdominal, diarreias, depressão, fadiga e mudanças de humor. O seu tratamento passa pela adoção de uma alimentação adequada, que inclui o consumo de alimentos ricos em fibras, como cereais integrais, frutas e vegetais, e o consumo moderado de carnes vermelhas, leite e derivados, ovos, alimentos processados e/ou ricos em açúcar e gordura e uma baixa ingestão de hidratos de carbono e de proteína. (8)Para além de uma reeducação alimentar, o tratamento inclui a ingestão de alimentos que contenham probióticos e/ou prebióticos e também pode ser necessária a utilização de medicação. Os probióticos são produtos lácteos, fermentados ou não, que apresentam na sua composição microrganismos vivos que promovem o equilíbrio da microbiota intestinal. São exemplo o kefir em água e em leite, kombucha, sopa miso e iogurtes. Por outro lado, os prebióticos, são ingredientes alimentares não digeríveis (fibras) que estimulam seletivamente o crescimento e/ou a atividade de um número limitado de microrganismos intestinais, sendo capaz de alterar a microbiota patogénica (prejudicial) para uma microbiota saudável. Ainda existem os simbióticos, que são uma junção de probióticos e prebióticos, que exercem uma função ainda mais eficaz. (8)
Concluindo, a resiliência é uma capacidade muito importante da microbiota intestinal, pois garante a saúde dos nossos intestinos ao prevenir o desenvolvimento de doenças, que pode ser estimulada a partir de uma alimentação saudável. Aconselha-se que na presença de sintomas relacionados com a disbiose, procure a ajuda de um profissional de saúde, nomeadamente de um nutricionista, pois este irá ajudá-lo a identificar a causa do seu problema e a restabelecer a sua microbiota intestinal com os alimentos adequados.
Artigo escrito por Daniela Ferreira, Nutricionista
Referências bibliográficas:
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- Moraes, A., Silva, I., Almeida-Pititto, B., Ferreira, S. Microbiota intestinal e risco cardiometabólico: mecanismos e modulação dietética. 2014. Obtido em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27302014000400317&script=sci_arttext&tlng=pt
- Gonçalves, M. Microbiota – implicações na imunidade e no metabolismo. 2014. Obtido em: https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/4516/1/PPG_21951.pdf?fbclid=IwAR2bp6pM6h6jeJz_4oQft3W7fVbnCkEqk0jEAyroBOne03VQluBtQq7cMMk
- Pinto, C. Homeostase da microbiota intestinal: saúde ou doença no homem. 2016. Obtido em: https://eg.uc.pt/bitstream/10316/40869/1/M_Caria%20Pinto.pdf
- Slagueiro, C. “o segundo cérebro”: da microbiota entérica à saude cerebral.2019. Obtido em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/8684/1/6912_14710.pdf
- Fragiadakis, G., Wastyk, H., Robinson, J., Sonnenburg, E., Sonnenburg, J., Gardner, C., Long-term dietary intervention reveals resilience of the gut microbiota despite changes in diet and weight. The American Journal of Clinical Nutrition. 2020. Obtido em: https://academic.oup.com/ajcn/article/111/6/1127/5809430
- Lozupone, C. A., Stombaugh, J. I., Gordon, J. I., Jansson, J. K., Knight, R. Diversity, stability and resilience of the human gut microbiota. Nature. 2012. obtido em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3577372/
Almeida, L., Marinho, C., Souza, C., Cheib, V. Disbiose intestinal. 2009. Obtido em: https://www.portaldenutricao.com/wp-content/uploads/2019/12/artigo-de-revisao-disbiose-intestinal.pdf