Refeição livre – cheat meal – refeição do lixo – vale a pena?

Refeição livre – cheat meal – refeição do lixo – vale a pena?

A refeição livre ou cheat meal representa uma refeição que ocorre periodicamente durante uma dieta com restrição de calorias e onde pode ser ingerido uma maior quantidade de alimentos, assim como, tipos de alimentos que geralmente não fazem parte da rotina alimentar. Esta é uma prática bastante comum entre atletas, mas não só. 

Os objetivos desta prática passam pela quebra da monotonia alimentar e alívio do stress causado pela dieta, mas também, a crença da possibilidade de aumentar o metabolismo através desta, isto porque, refeições planeadas e regulares seriam “enganosas” para o corpo ajudando a alcançar mais rapidamente os objetivos, nomeadamente relacionados com a perda de peso, através da atribuição de uma vantagem metabólica onde um aumento esporádico de calorias levaria o corpo a utilizar as gorduras alimentares como fonte primária de energia, e que isto se estenderia por um período prolongado que levaria a um aumento da facilidade de reduzir gordura corporal sem afetar o desenvolvimento da massa muscular (1). 

Um estudo realizado em 2018 analisou mais de 1,6 milhões de publicações realizadas no Instagram relacionadas com esta prática, onde era utilizada a hashtag #cheatmeal e foi possível observar que a maioria destas publicações apresentavam imagens com volumes de comida exagerados, compatíveis com episódios de compulsão alimentar, sendo que o volume calórico dos pratos variou desde as 1000kcal até às 9000kcal numa só refeição. Para além disto, as publicações eram geralmente acompanhadas de descrições e comentários que abordavam a perda de controlo durante a refeição, a normalização do excesso de comida durante a refeição livre e a adesão a regimes de exercício intensos e restrição alimentar fora desta refeição livre como forma de compensação (1,2). 

Sendo este um comportamento comumente partilhado por perfis de Instagram associados ao fitness e nos quais são expostos corpos em que geralmente apresentam uma imagem corporal magra e musculada, é uma prática bastante associada a benefícios na composição e imagem corporal. 

No entanto, não existe evidência científica de que recorrer a esta prática possa trazer algum benefício a nível metabólico, isto porque, as alterações hormonais estariam relacionadas com a libertação de um hormona – a leptina – que está relacionada com a perda ou ganho de peso, uma vez que esta hormona é libertada principalmente pelo tecido adiposo e é responsável pelo controlo da ingestão de alimentos, porque aquando da sua libertação, ocorre uma redução do apetite e segue a informação para o sistema nervoso que de o corpo está saciado (1,2). 

Ora quando nos encontramos num processo de perda de peso, devido à restrição de energia consumida, há uma redução da produção da leptina, o que dificulta todo o processo, uma vez que não chega a informação ao cérebro de que estamos satisfeitos. No entanto, a refeição do dia livre, ao contrário do que se pensa, não promove um aumento da produção da leptina suficientemente grande para que leve a um aumento do metabolismo, uma vez que seria necessário mais tempo para que houvesse uma adaptação hormonal do corpo, sendo que alguns estudos referem que seriam necessários de 7 dias até vários meses de aumento calórico para que a produção hormonal fosse totalmente regularizada neste sentido, dependendo sempre do tempo em que a pessoa se encontra em défice calórico e da percentagem deste (3). 

Desta forma, o único benefício que esta prática pode trazer passa pela possibilidade de serem feitas refeições sociais e pelo alívio do stress causado pela dieta, o que pode ser um fator que facilita a adesão ao plano alimentar. No entanto, é preciso ter em conta que este conceito promove um pensamento de “perdido por 100, perdido por 1000” o que promove uma má relação com a comida, podendo também criar sentimentos de ansiedade e culpa quando ocorrem erros não programados (1). Esta prática também leva muitas vezes a um aumento da dificuldade em regressar à rotina nos dias seguintes à refeição livre, sendo bastante comum a extensão da refeição livre para o resto do dia ou, até mesmo, para os dias seguintes. 

No caso de quem opte pela adoção desta prática, deve aproveitar para fazer exercício no dia seguinte, uma vez que as reservas de glicogénio se vão encontrar cheias o que vai potenciar a sessão de treino. Para além disto, é importante entender e ter controlo suficiente para que ao fazer uma refeição livre, seja apenas uma refeição, e não o dia inteiro que poderá ser suficiente para comprometer os resultados de toda a semana de esforço.

Artigo escrito por Clara Magalhães Dias, Nutricionista 

Bibliografia consultada:

1.        Murray SB, Pila E, Mond JM, Mitchison D, Blashill AJ, Sabiston CM, et al. Cheat meals: A benign or ominous variant of binge eating behavior? Appetite. 2018;130(May):274–8. 

2.        Pila E, Mond JM, Griffiths S, Mitchison D, Murray SB. A thematic content analysis of #cheatmeal images on social media: Characterizing an emerging dietary trend. Int J Eat Disord. 2017;50(6):698–706. 

3.        Baptista C. Leptina. Acta Médica Portuguesa. 2002. p. 281–5. 

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